Reduzir-se

A gente precisa aprender a falhar melhor. A falhar mais.

Manuela Pérgola

9/19/2024

Estamos mal acostumados com o erro, com o fracasso. Tudo gira em torno do sucesso, agora. Todos são bem sucedidos, completos, bonitos, têm auto estima. Aliás, hoje em dia o que não falta são os "autos": autoconhecimento, autoestima, autoresponsabilidade, auto, auto, auto... como se fosse possível nós mesmos, sozinhos, realizar alguma coisa. A chamada "intersubjetividade", para a psicologia, é justamente o contrário disso: diz respeito à relação com os outros, de que forma essas relações nos afetam e nos transformam, fazendo com que sejamos uma coisa, e outra, e outra, sempre impossível de definir e fechar em uma coisa só.

Estamos muito autocentrados e excessivamente preocupados com o sucesso. Acho que deveríamos nos ocupar um pouco dos fracassos. Deveríamos almejar sermos bons em fracassar. Isso significaria não cair do alto de nossos ideais de nós mesmos e nos esborracharmos no chão a cada vez que a vida nos diz "não". Isso significaria humildade para escutar, curiosidade para aprender, sabedoria para calar a boca quando necessário. Mas não, estamos cada vez mais experts em respostas. Quanto mais rápido, melhor. Quando menos penoso, melhor. Não conseguimos fazer coisas que são importantes para nós porque achamos que não podemos falhar nessas coisas, porque nos exigimos perfeição.

Nisso a palhaçaria pode ser um verdadeiro salva-vidas. Ou salva-erros. Porque a palhaçaria nos ensina a errar. Se tem coisa mais difícil do que aprender a errar bem, desconheço. Porque a gente também pode ficar querendo ser o melhor em errar, e aí erra errado. Entendem? Pode ser uma armadilha. A palhaçaria nos ensina a errar sem a pretensão de acertar no erro. Nos ensina a ir com aquilo que temos, a não querer fazer demais, surpreender, mostrar que sabemos, tipo a criança que se coloca pulando na frente dos adultos gritando "eu! eu! eu!". A palhaçaria, por um lado, nos ensina a reduzir. Para aprender a errar bem, é preciso reduzir os ideais, as expectativas, a quantidade de coisas que pensamos ser necessária para "sermos bons" ou aceitos. É preciso ir com pouco, com o pouco que temos de nós mesmos. Depois disso, aí sim, a palhaçaria vai nos ensinar a exagerar, a abrir bem os olhos para essas coisas quase imperceptíveis e lapidá-las, aprimorá-las. E então teremos um belo e grandiosíssimo nada que não serve para porcaria nenhuma! Quer coisa melhor? Em tempos de utilitarismo, mercantilização das relações, individualismo, merecimento, autoaprimoramento, a palhaçaria nos ensina a compartilhar o que não tem importância nenhuma. O que não vende. O que não serve. O que é excluído, desajeitado, capenga, que ninguém quer. Eis a arte de celebrar a redução de si mesmo.

Eu mesma tenho momentos em que celebro meu fracasso da maneira mais justa possível. Faço isso sendo extremamente comprometida com ele. Nos dias destinados a fracassar, sigo uma rotina estabelecida. Acordo cedo, me alimento de forma saudável, me exercito, me banho e fico pronta para não me atrasar para os vários compromissos que não tenho. Assim, me sobra tempo para exaltar tudo o que eu não realizei, e também as roupas que pendurei no varal, a alface lavada e a cama arrumada. Isso exige uma prática constante. Não é fácil. Quem sabe eu não vendo um curso "aprenda a fracassar melhor em 21 dias".

Deveríamos celebrar os nossos fracassos. Deveríamos construir um altar para as situações em que não soubemos o que fazer com as mãos, o que dizer (ou melhor, dissemos as coisas erradas), em que não sabíamos a resposta certa. As situações em que esquecemos nomes de pessoas, de ruas, e nos perdemos. As situações em que cumprimentamos a pessoa errada, cutucamos a mãe errada no mercado achando que era a nossa. Situações em que perdemos: o ônibus, a hora, alguém, a oportunidade. São todas essas conquistas que nos fazem menos arrogantes, exigentes e doentes, esperando cumprir um ideal de pessoa que não existe e que, caso exista, eu não quero perto de mim, porque deve ser alguém muito chato.