Brincar é coisa séria

Mas foi só na palhaçaria que descobri que eu ainda precisava aprender a rir mais de mim mesma, e foi lá que consegui achar um jeito de expressar a seriedade, a raiva, a impaciência e a urgência com as coisas. Ficou engraçado dizer pra mim mesma que eu levava a palhaçaria tão a sério. Ficou risível essa demasiada importância a tudo. Ficou mais leve a vida, finalmente.

Manuela Pérgola

8/18/20252 min read

Conheci a palhaçaria em 2023. Desde o primeiro momento, logo após o primeiro dia de oficina com a Tainá Pimenta, me lembro de me perguntar: “como é que eu pude viver tanto tempo sem isso?”. Foi um encontro apaixonante. Um encontro que me colocou em contato com tudo aquilo que estava em mim esperando para desabrochar. Às vezes era meio esquisito, e ainda assim era bom. Eu queria voltar, queria estar ali, ali onde o tempo parecia voar, ali onde eu podia brincar, rir, gargalhar. Ali, onde eu nunca estava sozinha. São tantas coisas que nem sobre quais delas dizer, o que me conforta é saber que tenho a vida inteira (ainda que eu não saiba quanto exatamente é “a vida inteira”, mas tudo bem) para falar disso.

Sempre vi e vivi todas as coisas com seriedade. Quase nunca me atraso, quase nunca matava aula, quase sempre estudava (e como estudava!) para todas as provas que fiz na vida, tudo sempre foi meio urgente. Como psicóloga, trato as pessoas com a mesma seriedade, às vezes até demais. Nesses muitos anos de terapia/análise, consegui entender porque as coisas são tão sérias pra mim, até as que não precisariam ser, e acho que consegui nem sempre me levar tão a sério (depois de muuuuuuito tempo de trabalho!). Mas foi só na palhaçaria que descobri que eu ainda precisava aprender a rir mais de mim mesma, e foi lá que consegui achar um jeito de expressar a seriedade, a raiva, a impaciência e a urgência com as coisas. Ficou engraçado dizer pra mim mesma que eu levava a palhaçaria tão a sério. Ficou risível essa demasiada importância a tudo. Ficou mais leve a vida, finalmente.

A terapia fez e continua fazendo seu trabalho, mas a palhaçaria se transformou no lugar em que eu consigo rir de tudo isso, e o mais importante: com outras palhaças. Não é exagero afirmar que se não fosse a palhaçaria eu não sei o que seria de mim. E, na verdade, eu já tentei responder a essa perguntinha. Descobri que ainda seria eu, ainda palhaça, mas sem saber. E me perceber exatamente como sou, com todos os trejeitos que cotidianamente me acompanham, me assombram e me perturbam e, de repente, conseguir rir disso, fez toda a diferença. Fez toda a diferença pra mim encontrar esse lugar, essas pessoas, o nariz. Em certa medida, me salvou.

Por isso, pra mim a palhaçaria é um lugar transformador. Motivador. Potencializador. Mas tenho certeza de que esse encontro foi e continua sendo apaixonante para mim pela condução que recebeu: Tainá pega cada uma das pessoas pela mão e conduz pelo caminho de descobertas, coragens, medos, dores e cores de um modo tão sensível, delicado, atento e atencioso que é possível atravessar o pântano da vergonha e até de alguns traumas de infância (“ai, se eu fizer isso vão rir de mim!”) com leveza, e não sem ser profundamente transformada pelo que aconteceu ali. É por isso que, desde 2023, minhas segundas-feiras à noite são dedicadas ao que existe de mais sagrado e sério na minha vida, em que há um espaço escrito: “não perturbe, estou brincando”.

Se a gente não vivesse num mundo como esse, brincar deveria ser um direito. Enquanto isso, a alegria segue sendo a maior resistência.